Sílvio Guedes Crespo - O Estado de S. Paulo
A Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI), uma agência da ONU, considera que o Google não tem direito de digitalizar livros em larga escala por meio apenas de um acordo com duas associações, uma de escritores e outra de editores, informa o advogado Rodrigo Salinas* , colaborador do Radar Econômico.
A empresa ofereceu mais de US$ 100 milhões às associações para ter o direito de digitalizar livros, mas o juiz Denny Chin, o mesmo que condenou Bernard Madoff a 150 anos de prisão, vetou o negócio em março.
Agora, a OMPI anuncia a sua posição, por meio do diretor-geral da entidade, Francis Gurry, em uma palestra na Columbia Law School, em Nova York. O evento ocorreu no dia 6 de abril, mas as declarações do palestrante foram pouco divulgadas fora do âmbito acadêmico.
Abaixo, o comentário de Salinas, que assistiu à palestra.
“Francis Gurry observou de forma bastante enfática a importância da livre circulação e do acesso à informação propiciados pela internet, mas também salientou que esses benefícios precisam ser equilibrados com a garantia aos criadores de uma remuneração condizente, sob pena de sacrificarmos a continuidade da produção de conteúdo informativo e cultural.
A fala do diretor-geral da OMPI é sintomática de que novas soluções legislativas, e não apenas a disputa judicial, são urgentes e necessárias para resolver os diversos problemas jurídicos suscitados pela difusão de conteúdo na rede.
Gurry ressaltou a importância para o crescimento da economia digital que resultaria da solução dos entraves que leis ambíguas e inadequadas propiciam para a distribuição de conteúdo na internet. Segundo ele, o caráter global da internet e da economia digital justificam que a questão seja discutida no âmbito do G-20, e preferencialmente por meio de um tratado multilateral que reflita o caráter global dos problemas e das soluções.
Espirituoso, Gurry observou que, talvez por inação do legislativo e da sociedade, a empresa Google tenha decidido desafiar o sistema de direito autoral existente por meio da digitalização em massa, e sem autorização, de livros para a formação de uma biblioteca virtual universal. Aliás, o juiz federal norte-americano que rejeitou o acordo, em decisão de 22 de março, também destacou que os seus termos, por violarem as regras de direito autoral e causarem séria ameaça à livre concorrência, seriam mais bem equacionados pelo Congresso do que pelo Judiciário.
Inevitavelmente, temas como, por exemplo, as obras órfãs (aquelas em relação às quais se desconhece o paradeiro dos autores e detentores dos direitos), abrigos jurídicos para provedores de conteúdo na internet, sistemas de remuneração por entidades de gestão coletiva, uma base de dados única para criadores e detentores de direitos, devem ser enfrentados para que se viabilize uma comercialização segura de conteúdo. Caso contrário, somente os grandes competidores terão espaço para sobreviver ao risco jurídico e competir nesse mercado.
Em relação ao Brasil, a inevitável e necessária expansão do acesso à banda larga tornará cada vez mais urgente uma política clara de direito autoral quanto à internet, a qual deve ser considerada parte da infra-estrutura jurídica necessária a esse desenvolvimento.”
* Rodrigo Kopke Salinas, advogado, é sócio do escritório Cesnik Quintino e Salinas Advogados e professor conferencista da ECA/USP. Atualmente é aluno do programa Master of Laws da Columbia Law School.
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